Nos domingos após a missa, quando mal ainda tínhamos passado de meninos a garotos, já o pai perguntava, ou não, à mãe. O garoto? Tem de ir com os animais. Hoje o pai, mesmo ainda que meninos, pergunta. O miúdo? Responde a mãe, saiu com uns amigos e não disse quando voltava!...
Os garotos Samarras; António, Manuel, José, João, iam com os animais, os miúdos de hoje; Rafael, Frederico, Francisco, saem com os amigos e a mãe não sabe para onde nem quando voltam. Vou deixar que o Rafa, o Fred e o Chico regressem e nos digam o que andaram a fazer, ou talvez não.
Vamos aos garotos que nós os, A, M, J e J fomos, e que nas tardes de domingo íamos com as vacas, burros e talvez uma cabra ou ovelha para os lameiros da Lameira de Cima ou de Baixo, Defarelo, ou Moita Redonda e tantos outros, hoje repletos de freixos, de giestas e silvas, mas outrora limpinhos destes e enquanto os animais enchiam a pança, dado que os muros ou o arame farpado dos lameiros os mantinham no seu sitio, nós matávamos o tempo entretidos a jogar ao páteiro ou ao pião, conforme a época do ano e ver quem dava mais nicas no pião do outro, quem o tirava da roda bota fora ou quem atirava o páteiro mais longe ou ainda, a escorregar em cima de umas giestas pela Lageda Galé a baixo na Fareleira.
E as garotas Samarras também iam? Claro que sim, sobretudo aquelas que não irmãos garotos, mas os jogos delas eram outros.
Antes que o sol desaparecesse no ocaso, regressávamos todos à aldeia em procissão animal, não que viesse ali o touro Ápis de Mênfis, aquele que já era venerado desde a 1ªdinastia Egípcia 3.100 a.C, mas enquadrados com os touros e vacas samarras, mais terra a terra, que as suas multi-ancestrais divindades egípcias.
Oh Manel, toca as tuas vacas prá frente senão marram às minhas, está bem, então aguenta aí que eu passo prá frente.
Havia assim tantas vacas e burros? Ah pois! Havia, havia.
Eles foram os ancestrais motores de tracção para os arados, carros de carga e meios de transporte, dos actuais tractores, automóveis e carreiras. Quase todas as casas tinham, ao lado ou na loja por baixo, a corte “garagem“ dos seus animais e tal como hoje, os automóveis são roubados, também acontecia roubarem os burros que muita falta faziam aos seus donos, dado os multiserviços que lhes prestavam e não havia seguros que cobrissem estes riscos. Constava que havia gente entre portas, que colaborava com esses ladrões, que conhecedores dos hábitos dos seus conterrâneos e porque as portas das garagens eram trancadas apenas com um “cravelho” e se o cão era subornado com uma côdea de pão ou com um courato e não avisava o seu dono, o cenário para o crime era perfeito e concretizava-se. Aqueles recebiam-nos à saída da povoação, das mãos dos que os tinham retirado das cortes, servindo-lhes de álibi a sua presença matinal na aldeia. Os ladrões procuravam vendê-los bem longe da aldeia, daí fazerem os percursos durante a noite, ganhando assim uma considerável dianteira, a uma pouco provável mas, por vezes, bem sucedida perseguição madrugadora pelos seus donos, ajudados pelo faro do rafeiro ao cheiro das bestas, que assim se procurava redimir da traição, ajudando nar ecuperação dos animais e granjeando a confiança do seu dono e o respeito dos seus pares caninos que jamais ousaram tal traição e passar por aquele enxovalho.
Não é minha intenção provocar os miúdos de hoje, que leiam esta crónica, mas tão só recordar como os garotos Samarras de ontem, hoje, vossos avós ou pais passavam as tardes livres de domingo. Os pais de alguns, ainda, tinha por hábito ou necessidade, ir deitar a água de uma represa ou poço a uma pequena horta, considerado um trabalho menor para o domingo. Outros iam até à taberna beber um copo de três e jogar a sueca, dominó ou raiola, esta em cima de um banco, com moedas de vinte reis.
Por vezes, já noite, ouvia-se na rua, um ou outro indo de parede a parede a dizer, pró da vide, não me empurres que eu não te fiz mal e sou teu amigo, vamos devagarinho está bem? Mas também havia quem fizesse ponto de honra, não entrar numa taberna.
Texto: Junho 2012 (9) Apaulos