segunda-feira, 12 de novembro de 2012

As Ancestrais Tabernas Samarras (2ª Parte)

Com a indicação de mais estas duas tabernas, damos por concluída a pesquisa das mesmas. Uma na Rua Principal, numa das lojas da Casa Grande, sendo seu proprietário o Sr. António Celestino que se fazia passear pelo seu vasto reino, da Trigueira ao Carvalhal passando pela Lameira de Cima, Lomba, Silveira, Fradosa, Serra, Pardinha, Ribeira (lagar de azeite), Ferneirizes, Moragos, Mortórios e Pomar, montado na sua elegante e majestosa égua branca, servindo-lhe de apoio para a montar o banco de pedra que ainda hoje está à entrada do portão  principal.
À frente do negócio estiveram os seus filhos Américo e Manuel (Manelzinho da casa grande), que depois emigrou para África de onde voltou tal com fora. Contava com um ego de vaidade: “Meu pai mandou-me estudar, sete anos por lá andei, tirei o curso de rambóia e fadista me tornei”. A outra esteve, primeiramente, estabelecida na Travessa da Fonte, ao fundo do povo e era conhecida como “cova funda” e depois transferida para o Largo José Soeiro, para junto da residência do seu proprietário, o Sr. António dos Santos Aguiar, pai da D. Maria Antónia Eusébio. Estes estabelecimentos fecharam na década de 20/30.



Após identificados os locais e seus proprietários, vamos recordar o que se vendia nas tabernas samarras:
Além de serem um local de encontro, de passa tempo, sobretudo aos domingos para homens e rapazes, onde bebiam uns copos e mais tarde umas cervejas, onde a partir dos anos 1950 se podia ouvir o relato da bola, jogavam à sueca, o chincalhão, o dominó ou à raiola, esta em cima de um banco corrido, com moedas de vinte reis do tempo de D. Carlos e de  D. Luís e este era o requisito da verdadeira raiola.
Era nestes estabelecimentos que os samarras se abasteciam de tudo, embora o tudo fosse muito pouco, isto é dos artigos essenciais e que não podiam tirar da terra.
A pinguita que só era ultrapassada pelo petróleo, indispensável para tornar o breu da noite menos escuro, em contrapartida ao azeite que era um bem mais caro e precioso, pois os olivais, bem como as vinhas que hoje conhecemos ainda não existiam e os  poucos que havia pertenciam à ” Casa Fidalga” como se descreveu em SantaEufêmia dos Fidalgos Santa Eufêmia dos Ladrões.
Foi à luz da candeia, alimentada a petróleo, que muitos nasceram e que os garotos samarras aprenderam a soletrar as primeiras letras, muitas vezes ensinados pela mãe cujo conhecimento se ficava pelo conhecer das ditas e que fizeram os trabalhos da escola, quando já cansados porque depois da saída da escola esperava-os o terem de ir com o” vivo” ou ajudar os pais no amanho da terra, para no dia seguinte não se sentirem envergonhados perante os outros garotos e ou para se livrarem de umas reguadas da professora, “com a menina dos 5 olhos” nas mãos ou da vara de marmeleiro nas pernas e orelhas. Isto passou-se até cerca de 1964 aquando  do evento da electricidade. As recordações ainda que amargas, são as nossas e são como as cerejas, quando nos víamos com uma cesta delas à frente não parávamos, mas voltemos aos artigos que se vendiam nas tabernas.
O sal, fósforos, tripas e o pimentão para o fumeiro na altura das matanças, no inicio do inverno, dado que a maioria das casas criavam o seu porco, cuja carne era guardada na salgadeira e que deveria dar para todo o ano, só as mãos, os pés e a língua do porco, não passavam das janeiras, em que eram leiloados e arrematados no largo da igreja e o montante do leilão era entregue aos mordomo de Santo António a quem se ofereciam, para que o santo guardasse o do próximo ano. A língua como era só carne, era leiloada mas o seu proprietário acaba por ficar com ela, repondo ele o dinheiro da oferta. As saborosas e saudosas chouriças que as mães samarras temperavam como ninguém e que eram guardadas em potes com azeite para ocasiões especiais, quer fossem festas, a visita de alguém especial ou para bem servir os que se chamavam a torna dias para tarefas especificas nos campos, exemplo as ceifas, as vindimas, etc. e havia o brio de bem servir, para que no próximo ano pudessem contar com eles novamente.
Por vezes, ao primeiro descuido, quem se fazia convidado era o gato que as comia, quando dependuradas nos paus do fumeiro na cozinha e aqui a raiva aumentava exponencialmente, quando o crime era praticado por um gato estranho, os de sete cozinhas, que sorrateiramente se infiltravam à mais pequena distracção.
Efectivamente, como vêem, nos anos 40/60 havia muitas cerejeiras.
Mas voltemos ao nosso tema; O açúcar e para os que lhe pudessem chegar o bacalhau, o arroz e a massa, mercearias que eram vendidas em cartuchos de papel pardo colados com cola de cimento para pesarem mais e o produto ser menos, laranjadas, pirolitos, amendoins, tremoços e os rebuçados que, por vezes, serviam para o taberneiro acertar os trocos, fazendo assim um duplo negócio. E o inevitável tabaco de enrolar com as respectivas mortalhas para matar o vício do cigarrito, muitas vezes juntamente com o vinho, a causa primeira da privação de produtos necessários e essenciais em casa e mesmo a causa da fome em muitos lares.
A aguardente e figos secos para matar o bicho e enganosamente, para aquecer as entranhas nos dias frios de inverno/inferno.


As mulheres porque não frequentavam as tabernas, por vezes, levavam a botelha para o vinho que escondiam de debaixo do xaile, peça indispensável do vestuário da mulher samarra, para beberem em casa, levando à vista o petróleo ou um pedaço de sabão azul que lhes servia de álibi, pois o sabão que roçava as calças ou camisas transpiradas de uma semana da força do trabalho e para as barrelas antes de se estenderem a corar ao sol ou ao gelo nas noites frias de inverno e que de manhã se podiam levantar, pegando apenas numa ponta, tal qual peixe de bacalhau devidamente curado, este era feito em casa nas seguintes proporções: 5 litros de borras de azeite ou azeite velho, 5 litros de água, uma malga de cinza peneirada, 1 quilo de soda cáustica para fazer a ligação. Era tudo fervido e vertido para uma caixa de madeira, tipo da sardinha, que  depois de arrefecer era cortado em rações para as ditas lavagens e outras. 

As tabernas mais frequentadas pelos rapazes eram aquelas onde lhes cheirava a raparigas, as mimosas e vistosas filhas dos taberneiros, que raramente eram solicitadas para as tarefas do campo e estes mal lhes permitiam um piscar de olho às escondidas ao rapaz por quem se embeiçavam, pois surgia logo a reprimenda de; Vá lá para dentro. Tiveram este “chamariz”, em simultâneo, a da Travessa da Cancela e as dos números 29 e 55 da Rua Direita. Alguns ainda levaram com o peso de ¼ de kilo da balança nos dedos, quando as mãos se enganavam a pegar na garrafa da cerveja ou dos refrigerantes Cristalina, estes feitos no Soito - Sabugal e procuravam outros contactos, quiçá  na tentativa de ganhar uma aposta feita pouco antes.
Além da venda dos artigos referidos, eram local de convívio para uns e de bebedeiras para outros, que ao fim do dia só a muito custo chegavam a casa, em diálogo com o companheiro invisível a quem pediam para que não o empurrasse pois até eram amigos, amparados pelos muros dos apertados caminhos que os conduziam a casa ou, os menos turvados, a um palheiro, pois não queriam que a mulher e sobretudo os filhos os vissem naquele estado menos sóbrio, mas que deixavam a mulher samarra num descorçoado, porque o seu homem nunca mais aparecia. Também acontecia, por causa do da vide, serem locais de zaragatas de ocasião. Então não sabes, fulano e sicrano andaram-se a bater na taberna!..
Às tabernas sucederam os minimercados/cafés e o primeiro foi explorado pela neta da ti Maria Paula Taberneira, na Rua Direita, nº.24, a D. Mª Espírito Santo Paula Carapito, no período de 1974 a 2007. Também funcionou aqui durante vários anos o posto de correio e o telefone público como referimos na 1ª parte desta crónica.


Na senda de seus pais e da empreendedora avó a referida M.P.T., o seu neto José Ferreira Paula, é ainda hoje o digno representante daquela que foi uma das mais antigas tabernas que ainda podemos recordar, à distância de mais de um século. O J.F.P. diz que já nasceu com o bichinho, pois toda a sua vida foi passada atrás de um balcão, primeiro com a mãe e ainda se lembra da avó, mais tarde no Porto e posteriormente em África-Angola até 1970 e desde 1976 na terra samarra, na Rua Direita, nº 41, com o minimercado/café, “o café do Zé Ferreira ou da Bé”, a sua esposa D. Elisabete e um dos três da aldeia ainda estabelecidos e o primeiro destes.
Na Av. Senhora das Fontes, nº 14, funciona o café propriedade de João Rodrigues Silva “o café do João”, que em paralelo com uma taberna ambulante em feiras e mercados, explora desde cerca de 1978. Mais recente é o café sito na Rua do Forno, explorado pela Associação M.e R. de Santa  Eufêmia.  Estes são os dignos sucessores das ancestrais tabernas samarras.
Convivam e bebam com moderação.
Um bem-haja especial aos que com a sua esforçada memória me ajudaram a recordar o que ficou descrito.


Texto: Apaulos
          Novembro 2012 (14)

25 comentários:

  1. Já o disse, por ocasião da publicação da lª parte deste artigo, mas volto a corroborar a minha opinião sobre o tema.
    Muito bem "esmiuçado" e descrito com grande rigor e precisão.Aparentemente um texto maçador (mais pela sua extensão),provàvelmente para alguns.Muito interessante para todos os que ainda têm a memória fresca daqueles tempos, mas também para os nossos jovens aquilatarem as dificuldades e o modo de vida dos Samarras de então, que não deixaram apesar de tudo, de serem felizes à sua maneira......
    Mais uma vez, Obrigado APaulos.
    CR52

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  2. Um texto a guardar para memória futura, para as gerações futuras. Parabéns pela dedicação e pelo fruto da mesma. Esta pesquisa em forma de texto é a prova de que este blogue é das coisas mais interessantes alguma vez criadas por criaturas samarras.

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  3. Vê lá tu que eu, apesar de me lembrar bem do Manelzinho da Casa Grande nunca o associei a taberneiro!
    Já a Cristalina do Soito-Sabugal era a nossa mini da altura!...
    Crónica muito interessante e útil! Parabéns!
    Abraço

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  4. era uma optima ideia fazer uma compilação de vários artigos aqui do blogue e transcreve-los para papel, pois há muita gente na aldeia que sabe que existe qualquer coisa na "net" sobre os Samarras mas que por esta ou aquela razão não têm acesso ao Blogue.
    pensem nisso.

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  5. José Miscaro Tartulho13 de novembro de 2012 às 04:44

    O manelzinho da casa grande era também conhecido por Ciroilas, para alguns que não estão a associar.

    Essa ideia de publicar uns textos parece me excelente, mas para se fazer uma coisa em condições é necessário muito trabalho, Alguém se propõem a isso?

    Samarra for Ever

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    1. és mt burrinho, Tartulho! Vê lá se te atinas e deixa de escolher nomes parvos para camuflar a tua doideira!
      Vou experimentar também...

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  6. mentira, o zezinho é que eras o ciroilas, tu ó tortulho.

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  7. Pois é João Rodrigues,estas crónicas tb. servem para nos recordarmos e nos surpreendermos dos tempos da nossa "garotice" e quiçá para os mais novos ficarem a saber mais um pouco das suas raizes. CR52 tem razão a crónica foi muito extensa, mesmo que dividida em 2 partes, mas como sabe as cerejeiras eram mais do que hoje e as cerejas muito boas. Obrigado pelo apoio. Apaulos

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    1. Acho extremamente importante estas histórias da história das nossas raízes. Eu pertenço a uma geração que não as viveu, mas tenho o maior prazer em ouvir estes relatos. Esta partilha irá perdurar nas palavras aqui descritas.

      Quando algo é descrito de forma interessante e cativante, a questão da extensão é relativa, para mim zero.

      Apaulos continue com a partilha de memórias. É esse o meu desejo.

      Cumprimentos fraternos.

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    1. "Too long; didn't read"

      Não sejas prepotente.

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    2. por momentos pensei que o Controverso estava a dizer telefone com o doutor! Obrigado pela tradução SP. És comprometido Controverso, estás livre? Gosto de ti.

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  9. Uma pequena actualização das fotos...
    thanks E. Vida. As restantes ficam para uma próxima oportunidade...

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  10. Quando falo em crónica extensa, não estou a pensar em mim; eu até me delicio a lê-las.Vivi parte desse tempo, e ainda que não fosse o caso, teria o mesmo procedimento, a mesma atitude. Leio tudo, mas mesmo tudo o que diga respeito ás nossas gente.....
    CR52

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    1. Quanto maior melhor, por mim estava aqui a tarde toda

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  11. Excelente crônica,bem ao feitio do autor.Continue,pois poucos traduzem tão bem,as "andanças samarras" neste século e no passado também.Parabens em meu nome e em nome de meu pai Jeremias Carapito.

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  12. É uma crónica leve, com alguns momentos de ficção e romance à moda de Jorge Amado, o da Gabriela.
    Falta-lhe a meu ver, um cunho de vivência e autenticidade.
    Parece-me ser um observador nato, mas que nunca entrou numa taberna e bebeu um copo de vinho ou jogou uma boa sueca com os aldeões.

    A verdade é que eu não faria melhor.
    Parabéns.



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    1. eu embebedo-me na aldeia 15 em 15 dias, sem exepção, mas não sou muito bom a contar as minhas aventuras até porque quando bebo perco a visão e a memória.
      Às vezes leio mas já se me cansa muito a vista, por isso bebo nas horas vagas.

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  13. O que interessa se entra ou não entra numa taberna, café ou cc, o que interessa é que se deu ao trabalho de indagar a nossa história!

    Querem uma crónica de um bébado, eu vou escrever uma e depois queixem se!

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    1. bêbado. seu abstémio!
      quem frequenta tascas ou cafés não são necessariamente alcoólicos, o mesmo de quem frequenta igrejas seja um santinho.
      culturalmente provinciano meu caro.

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  14. gente insatisfeita esta, falam por falar, é mesmo assim. Eu sou igual só que contenho-me mais, sou gaja.

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  15. A.paulos,havia tambem uma taberna da sra. felizbela,que era avó da actual felizbela,na casa do guarda rios,creio que essa não foi citada.

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  16. Eu nao disse que quem entra em cafés é necessariamente bebado, mas no meu caso é assim, portanto tino no chouriço!

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