domingo, 19 de outubro de 2008

O que é a fé?

Acreditar em algo com base na fé é acreditar em algo sem ter razões que estabeleçam a sua verdade. Ao caracterizar a fé, S. Tomás de Aquino (1225–1274) contrastou-a com a mera crença sem conhecimento, por um lado, e com o conhecimento, por outro. A fé é semelhante à mera crença sem conhecimento porque em ambos os casos não há razões que estabeleçam a verdade daquilo que acreditamos. Mas a fé é também semelhante ao conhecimento porque envolve uma convicção muito forte da nossa parte.

Por exemplo, só podemos acreditar que o Futebol Clube do Porto ganhou o jogo com base na fé se não soubermos que isso aconteceu. Se soubermos que ganhou é porque temos provas disso e, portanto, não podemos ter fé.

Mas acreditar em algo com base na fé não é apenas acreditar em algo sem razões. Ter fé em algo implica também um elevado grau de convicção. Por exemplo, acreditar que Deus existe com base na fé é ter uma convicção praticamente inabalável na sua existência. Nesse aspecto, ter fé em algo envolve uma forte convicção, semelhante à convicção que sentimos quando sabemos que, por exemplo, o Porto é uma cidade portuguesa.

Assim, a fé é uma crença com elevado grau de convicção na verdade de uma afirmação, sem razões que estabeleçam a verdade dessa convicção.

Segundo a análise clássica de conhecimento há três condições necessárias para que um determinado conteúdo seja conhecimento: 1) tem de ser uma crença, 2) essa crença tem de ser verdadeira, e 3) tem de estar justificada. Em filosofia, usa-se o termo “crença” não como sinónimo de “crença religiosa”, mas para falar de seja o que for que um agente cognitivo considera que é verdade, tenha ou não justificações fortes para isso e seja ou não realmente verdade.

Assim, tanto a fé como o conhecimento são tipos diferentes de crença. Mas, como vimos, a fé exclui o conhecimento, no sentido em que não é possível ter fé naquilo que conhecemos. Assim, as seguintes proposições, representadas também no gráfico, esclarecem o conceito de fé, relacionando-a com a crença e o conhecimento:

— Se alguém sabe algo, essa pessoa acredita nisso. Mas pode-se acreditar em algo que não se sabe.

— Se alguém tem fé em algo, essa pessoa acredita nisso. Mas pode-se acreditar em algo sem ter fé.

— Se alguém tem fé em algo, essa pessoa não sabe isso. Logo, se alguém sabe algo, não pode ter fé nisso.

A fé é entendida por filósofos crentes, como S. Tomás, como uma fonte de verdade, a par da razão. A razão produz um conhecimento da verdade, recorrendo a provas e argumentos; a fé produz uma forte convicção na verdade mas sem conhecimento.

Diz-se por vezes que a fé e a razão são duas fontes diferentes de conhecimento, mas o que se quer dizer é que a fé e a razão são dois modos diferentes de chegar à verdade.

S. Tomás defendia que tinha estabelecido por via racional a existência de Deus, nomeadamente através dos seus cinco argumentos a favor da existência de Deus. Por isso, defendia que sabia que Deus existia. Logo, tinha de aceitar que não tinha nem podia ter fé que Deus existe.

Contudo, a fé continua a ser importante, segundo S. Tomás, por duas razões. Por um lado, a generalidade dos crentes não conhece nem compreende os argumentos a favor da existência de Deus que S. Tomás conhece; tem de aceitar que Deus existe pela fé na própria Igreja. Por outro lado, a razão não permite saber toda a verdade sobre Deus. Por exemplo, podemos saber que Deus existe, mas não que é trino (que é Pai, Filho e Espírito Santo). A fonte destas verdades não é a razão mas sim a fé.

Há harmonia ou conflito entre a razão e a fé? Há dois tipos de respostas a este problema: o fideísmo, na versão mais radical de Søren Kierkegaard (1813-1855), ou nas versões mais moderadas de William James (1842-1910) e Blaise Pascal (1623-1662); e a teologia natural, defendida por autores como Tomás de Aquino. O fideísta radical defende que a razão e a fé nos dão conclusões opostas sobre a existência de Deus, mas tanto pior para a razão: a fé é que conta. O fideísta moderado defende que a razão não dá uma resposta conclusiva quanto à existência de Deus, pelo que podemos aceitá-la por fé apenas. E os teólogos naturais, como Tomás de Aquino, defendem que há total harmonia entre razão e fé, podendo a razão provar que Deus existe, mas não outros aspectos da natureza de Deus, como vimos. A posição simétrica ao fideísmo é o ateísmo: dado que a razão não permite concluir que Deus existe, tanto pior para a fé.

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